
… ou a triste vida das galinhas poedeiras
Fui um pouco injusta no meu relato sobre o laborioso empreendimento de criar galinhas. Entre os motivos que listei para tantos dinamarqueses criá-las em casa, me esqueci de um muito importante: a preocupação com o bem-estar dos animais, que tem levado a mudanças nos hábitos dos consumidores. Os dinamarqueses estão preferindo cada vez mais ovos orgânicos ou produzidos em condições que respeitam o bem-estar dos animais.
Desde 2000, a venda de ovos de granja (produzidos em esquema de produção industrial) vem caindo no país. Em 2013, foi superada pela venda de ovos orgânicos e dos produzidos em condições similares às dos ovos caipiras que encontramos no Brasil. Dos ovos comercializados no varejo na Dinamarca, 61% eram de granja em 2000 mas, em 2013, essa participação caiu para 47%, de acordo com o jornal Politiken. Ao mesmo tempo, cresceu a venda de ovos orgânicos que, no ano passado, chegou a 21% do total.
Abaixo-assinado contra os ovos de granja
Parte dessa mudança de hábitos pode ser devida às campanhas de esclarecimento promovidas por organizações de proteção dos direitos dos animais. Em 2013, 40 mil pessoas aderiram a um abaixo-assinado da organização Defesa dos Animais (minha traducão para “Dyrenes Beskyttelse”) que reivindicava o fim do comércio dos ovos de granja. As grandes redes de supermercados estão atentas às preocupações dos consumidores e algumas delas deixaram de vender ovos de granja.
A rede Irma, que não vende ovos de granja há 21 anos, anunciou que também vai parar de comercializar produtos que usam ovos de granja. O plano inicial é deixar de usar ovos de granja na fabricação dos produtos comercializados com a marca da rede. Numa segunda etapa, bem mais complicada, a ideia é abandonar todos os fornecedores que usem ovos de granja em seus produtos.
O projeto é de difícil execução porque ovos de granja fazem parte da lista de ingredientes de inúmeros tipos de produtos, incluindo biscoitos, massas, pães, maionese e bolos, mas a ideia tem o apoio da maior parte da população. Uma pesquisa feita pela Defesa dos Animais mostrou que 59% dos dinamarqueses gostariam de deixar de consumir ovos de granja e que 61% deles deixariam de comprá-los se tivessem uma alternativa. Mas há empresas – entre elas fabricantes de bolos e doces – que estão se adiantando e abandonando o uso de ovos de granja em seus produtos.
Para quem se preocupa com o bem-estar das galinhas poedeiras, faz sentido abandonar o uso de ovos de granja. Em 2012, por determinação da União Europeia, os avicultores tiveram de aumentar o tamanho das gaiolas mas, mesmo com o cumprimento da decisão, cada galinha só dispõe de 750 cm² para viver. Isso equivale a pouco mais do que a área de uma folha de papel A4 por animal. Em cada gaiola, vivem até 10 galinhas que nunca recebem luz do sol nem têm acesso ao ar livre. Já na produção orgânica, as galinhas devem dispor de quatro metros quadrados por animal e devem ter acesso a áreas descobertas e vegetação.
O mais incrível é saber que as galinhas poedeiras da Dinamarca são privilegiadas em relação às suas companheiras do resto da Europa, onde a debicagem ainda é permitida. A debicagem – o corte dos bicos das aves para evitar canibalismo e automutilação causados pelo estress do confinamento – foi espontaneamente abandonada em julho de 2014 pelos produtores avícolas locais.
8.700 pintinhos eliminados por dia
Mas não sobra misericórdia para os machos na produção de ovos, seja ela orgânica ou não. Logo depois que nascem, os pintinhos são selecionados por sexo e os machos são eliminados em câmaras de gás carbônico ou triturados. Só na Dinamarca, 3 milhões e 200 mil pintinhos são sacrificados anualmente, o que corresponde a cerca de 8.700 animais eliminados por dia, segundo o jornal Jyllands Posten. Infelizmente, ainda não foram encontradas alternativas para evitar o sacrifício dos machos.
Portanto, a nossa galinha Branca de Neve e os galos Polle e Bertran podem se considerar sortudos. Aos que perguntaram, mando avisar que tivemos notícias de que Polle e Bertran vivem bem nos galinheiros domésticos para onde foram transferidos, nos arredores de Copenhague.
Branca de Neve, apesar da falta que sente de seus galões, também está bem. De vez em quando solta um cacarejo triste, mas parece estar superando o trauma de ter sido abandonada pelos belos Bertan e Polle. Tanto é que um dia sim, dois dias não ela bota um ovinho no lugar que lhe convém, o que não inclui a área do galinheiro que foi devidamente preparado para a postura. Além disso, ela tem um quintal inteiro para ciscar e correr atrás das outras duas galinhas recém-chegadas e não sofrerá a dor de ter seu bico cortado.
Bacana este texto. Bem escrito e informativo. E os dados são também animadores em relação à condição dos animais na Dinamarca — pelo menos, para as galinhas dinamarquesas. Quem dera no Brasil os ovos de granja também sofressem essa queda nas vendas… O tal ‘brasileiro cordial’ não o é nem com os outros humanos (acho que matamos cerca de 50 mil pessoas com arma de fogo por… ano) e muito menos com os animais (um matadouro de médio porte abate cerca de 2 mil cabeças de gado por… dia). Como dizia Isaac Bashevis Singer, em seu comportamento em relação aos animais, todos os humanos são nazistas…
Por sinal, para mim, há um tremendo paradoxo na Dinamarca: uma sociedade tão avançada em termos sociais que permite o massacre de golfinhos nas ilhas Faroe. Confesso que não consigo entender como o povo dinamarquês — que se mobiliza para tantas causas — não conseguiu até agora parar essa matança.
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Obrigada pelos comentários, Cássio. Eu também não entendo bem o massacre nas ilhas Faroe que, apesar de fazerem parte da Dinamarca, são um território autônomo com governo e parlamento próprios. Claro que o governo e a sociedade dinamarqueses poderiam pressionar contra a matança dos animais mas acredito que isso não acontece de forma significativa porque os dinamarqueses são, em alguns aspectos, muito tradicionalistas. Vide a manutenção da família real. A matança das baleias é uma tradição antiga, de um tempo em que a sobrevivência humana nas ilhas dependia do óleo e carne dos animais. Concordo com você que é uma prática selvagem, embora os defensores da caça à baleia argumentem que a matança não ameaça a sobrevivência da espécie porque “apenas” cerca de 900 animais são mortos por ano.
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