Fugindo de um dos países mais ricos do mundo

A ponte que liga a Dinamarca à Suécia. Photo by Roman – Under CC BY-SA 4.0 via Commons

Nos últimos 20 dias, cerca de 16 mil refugiados, na maioria sírios, chegaram à Dinamarca. A maior parte deles, depois de desembarcar de trens e navios vindos da Alemanha, seguiu viagem para outros países do norte europeu, principalmente a Suécia. Em média, pouco mais de 10% dos migrantes decidiram ficar e pedir asilo na Dinamarca.

Quase ri quando o primeiro-ministro dinamarquês, Lars Løkke Rasmussen, disse que não entendia porque tão poucos dos milhares de refugiados que chegam ao país pedem asilo aqui. Tentei me colocar no lugar dos migrantes que fugiram de guerras, arriscaram a vida enfrentando o mar num barco de borracha e viajaram, inclusive a pé, dois, três mil quilômetros, e acho que entendi porque muitos deles não querem viver num dos países mais ricos do mundo.

A distância entre o porto por onde a maior parte dos migrantes está entrando na Dinamarca e a capital do país, Copenhague, de onde saem trens para a Suécia, é de pouco mais de 150 quilômetros. É uma distância insignificante comparada à que a maior parte dos migrantes já percorreu para chegar aqui, o que ajuda a explicar porque muitos deles não cogitam desistir de continuar a viagem rumo ao destino que tinham em mente antes de iniciar a jornada. Além disso, alguns fatores têm tornado a Dinamarca menos atraente para os migrantes.

Muitos deles temem que, ao ficar aqui, tenham de desistir de trazer a família que foram obrigados a deixar em regiões que estão sendo destruídas pela guerra. Desde o início do ano, ficou mais difícil para um exilado trazer seus familiares para viver com ele na Dinamarca. A intenção do governo era que um refugiado só poderia trazer sua família para cá depois de um ano de residência no país. Na prática, devido às convenções internacionais, a nova regra tem sido usada com menos frequência do que a esperada pelo governo, mas o temor de que ela seja aplicada ainda assusta os refugiados.

Pedir asilo na Dinamarca também pode significar aceitar ser tratado como cidadão de segunda classe. Como parte de um pacote de medidas adotadas pelo novo governo de direita, desde setembro os benefícios sociais a que refugiados têm direito foram cortados pela metade. A ajuda financeira paga aos migrantes terá valor igual a pouco mais da metade do que é destinado aos demais dinamarqueses que não têm nenhuma outra fonte de renda. Uma pessoa solteira, sem filhos, que antes recebia mensalmente 10.849 coroas dinamarquesas (equivalente a 6.696 reais, cotação de hoje), passará a ter de viver com 5945 coroas dinamarquesas (equivalente a 3.669 reais, cotação de hoje). Os críticos da medida afirmam que é impossível viver com dignidade com o novo valor do benefício num país com alto custo de vida como a Dinamarca e que isso dificultará ainda mais a integração deles na sociedade dinamarquesa.

Para se ter uma idea do custo de vida na Dinamarca, uma rápida consulta em um site de imóveis na Dinamarca mostra que o aluguel de um apartamento de um quarto em bairros de classe média de Copenhague custa no mínimo 3400 coroas (equivalente a 2098 reais).

A imagem internacional da Dinamarca não ficou melhor depois que o governo publicou anúncios em jornais libaneses com o objetivo de desencorajar os refugiados a buscar asilo no país. Os anúncios explicaram as novas regras de imigração e a redução no valor dos benefícios.

Por tudo isso, me surpreende que o primeiro-ministro dinamarquês tenha se surpreendido com o pouco interesse dos refugiados pelo pequeno país escandinavo. Pelo que li nas redes sociais, a surpresa não foi só do primeiro-ministro. Muitos dinamarqueses também não entenderam que milhares de migrantes preferissem outros países à sua querida Dinamarca.

Tenho a impressão que isso se deve à desconfiança que muitos dinamarqueses têm em relação aos estrangeiros. Alguns estão convencidos de que os migrantes do mundo só têm um objetivo: se mudar para o paraíso na terra que é o país deles para mamar nas tetas do estado usufruindo dos serviços públicos gratuitos e recebendo os benefícios concedidos aos residentes no país.

Mas, aparentemente, a rica Dinamarca oferece pouco na opinião da maioria dos refugiados que chegam ao país. Eles não estão apenas em busca de paz. Querem um lugar onde sejam bem-vindos, possam viver com suas famílias e tenham mais chances de construir uma vida digna. Nada mais natural e humano.

2 comentários Adicione o seu

  1. Cássio disse:

    O penúltimo parágrafo toca em um ponto importantíssimo. Imigrantes, na esmagadora maioria, não são oportunistas buscando uma sinecura. O melhor lugar do mundo é aquele em que a pessoa tem sua família, seus amigos, suas referências culturais etc. Sair desse lugar é ir para outro — que até pode ser parecido com o paraíso — é sinônimo de inferno para grande parte das pessoas. Infelizmente, há lugares e períodos da história em que o nosso melhor lugar do mundo torna-se um inferno. E aí não sobra outra alternativa a não ser se mudar para um ‘paraíso’ no qual você e sua família vão sofrer, porque a língua é diferente, o clima é outro, as pessoas não são as suas amigas de infância, as referências culturais são outras… É uma vida cheia de ‘nãos’. Sem contar a discriminação (social ou racial).

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    1. É isso mesmo, Cássio. Essas pessoas abandonaram uma vida que conheciam, abandonando carreiras, lares e até famílias destruídas, para tentar sobreviver em outro lugar onde muitos não os querem. Não deve ser fácil.

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