Aumento da desigualdade no país da igualdade

A discussão sobre a possível americanização da sociedade dinamarquesa, que mencionei no meu texto anterior, ganhou novo vigor esta semana com a publicação de um artigo do escritor Jacob Skyggebjerg no jornal Politiken. No artigo, intitulado “Pare a americanização da Dinamarca” (no original, em dinamarquês: “Stop amerikaniseringen af Danmark”), o autor pede aos seus conterrâneos que deixem de se preocupar tanto com a islamização e atentem mais para americanização do país que, na opinião de Skyggebjerg, é muito mais grave.

København Strøget
Centro de Copenhague. Foto de Henrik Sendelbach via Wikimedia.

Entre outros sintomas desse processo de americanização, ele aponta o baixo nível do debate político, o culto da personalidade para alavancar carreiras políticas e, uma semana atrás, a nova recusa do governo dinamarquês em dar asilo a Edward Snowden, autor de denúncias contra a Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos.

Show e circo

“Alguém talvez percebeu a queda da qualidade dos políticos dinamarqueses? Será que alguém notou que a cada diz que passa tudo se trata mais de show e circo do que de poder popular e democracia? Isso é um sintoma definitivo de uma sociedade americanizada” (*), bombardeou o escritor. “A verdade é que a Dinamarca é uma colônia americana. É por isso que a Dinamarca, nunca, jamais (…) pode discordar dos Estados Unidos” (*), completou.

O artigo provocou centenas de comentários, boa parte deles contrária à opinião de Skyggebjerg, e já foi compartilhado mais de 500 vezes no Facebook. Eu tenho a mesma impressão de que o nível do debate político na Dinamarca caiu desde que me mudei para cá no final da década de noventa. Mas, se é para discutir a americanização da sociedade dinamarquesa, há tendências sociais e econômicas que também merecem ser discutidas.

Mais ricos cada vez mais ricos

Apesar de ainda estar muito longe, a Dinamarca está caminhando na direção dos Estados Unidos no que se refere à desigualdade de renda. De acordo com o Eurostat, a agência oficial de estatísticas da União Europeia, de 2008 a 2012, a Dinamarca foi o país europeu onde ocorreu o maior aumento na desigualdade de renda, que subiu 12%.

Um estudo do instituto dinamarquês de análises AE (Arbejderbevægelsens Erhvervsråd) mostrou que, de 2003 a 2013, os 10% mais ricos do país ficaram 29% mais ricos. No mesmo período, os 10% mais pobres se tornaram 1% mais pobres. Aliás, os dinamarqueses mais pobres foram o único grupo demográfico a sofrer perda de renda nesse período.

O aumento da diferença de renda na Dinamarca se acentuou no início do milênio, mas o exame de um período mais longo confirma a tendência. Segundo o AE, atualmente, 10% dos dinamarqueses mais ricos detêm mais de 22% da riqueza total da Dinamarca, enquanto 30 anos atrás eles tinham apenas 18%.

Medidas tomadas pelo atual governo dinamarquês não deverão contribuir para que essa tendência seja revertida. Desde setembro passado, os benefícios sociais pagos a refugiados, imigrantes recém-chegados ao país e até mesmo dinamarqueses que tenham vivido dois anos no exterior foram significativamente reduzidos. A ajuda financeira destinada a esses grupos terá valor igual a pouco mais da metade do que é pago aos demais residentes que não têm nenhuma outra fonte de renda.

Essas estatísticas, no entanto, devem ser colocadas no contexto adequado. Em 2012, a Dinamarca ainda era considerado o pais com a menor desigualdade de renda do mundo, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) . Mas é interessante observar que o país mais igualitário do planeta segue a tendência mundial de aumento da desigualdade entre os mais pobres e os mais ricos. Portanto, pelo menos nesse aspecto, a Dinamarca está mesmo ficando mais americanizada.

(*) Tradução livre feita por mim.

2 comentários Adicione o seu

  1. Maria OLeary disse:

    Quem diria que isso iria acontecer com a Dinamarca, em? Gostei da postagem!

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    1. Oi Maria,
      obrigada pelo comentário e desculpe pela demora em reagir. Infelizmente já há alguns anos vemos o aumento da desigualdade aqui na Dinamarca e a tendência não deve diminuir com o atual governo de centro direita. Uma pena. Abraços

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