Quando não somos bem-vindos

Hoje fui pedalando os seis, sete qDSC_2191-campanha-DFuilômetros que me separam do centro de Copenhague.  O dia estava fresco e ensolarado e a pedalada foi uma ótima mudança depois de longos dias de trabalho em frente ao computador. No caminho, uma visão desagradável: cartazes da campanha publicitária mais recente do Partido do Povo Dinamarquês (DF). Para os desavisados, os cartazes são inofensivos. Mostram um grupo simpático de pessoas que posam para uma foto de família: os pais acompanhados da segunda e terceira gerações de uma tradicional família dinamarquesa. No alto dos cartazes, o texto: “Nossa Dinamarca – há muito de que precisamos cuidar”.

Mas para quem tem acompanhado os rumos da política dinamarquesa nos últimos anos, o cartaz diz muito sobre a direção xenófoba que o DF defende e que o levou ao posto de segundo maior partido da Dinamarca. Na foto, as pessoas, todas brancas, representam uma família enraizada há várias gerações na Escandinávia. A escolha das pessoas para a foto teve o objetivo de dizer que a Dinamarca que o DF considera como dele não inclui quem não seja descendente dos primeiros habitantes do país. A fotografia tem uma mensagem clara: imigrantes, refugiados e os filhos deles não fazem parte da Dinamarca do DF.

Ao excluir esses grupos, a classificação de quem é dinamarquês do DF deixa de fora pelo menos 11,6 por cento da população do país, segundo o órgão oficial de estatísticas da Dinamarca. O grupo de excluídos é ainda maior porque, ao mostrar apenas pessoas brancas, o DF também exclui os dinamarqueses que têm a mãe ou o pai de etnia diferente da dinamarquesa. Dependendo da leitura que fizermos da campanha, crianças asiáticas, africanas ou latino-americanas adotadas por famílias brancas dinamarquesas, por exemplo, também não podem ser consideradas dinamarquesas.

Além de excluir os que já vivem aqui, a campanha reafirma a oposição do DF à vinda de mais imigrantes para o país e dá uma boa razão para isso. Na visão do partido, o país tem de priorizar os problemas que a sociedade dinamarquesa enfrenta antes de se solidarizar com os povos de fora.  Com o slogan da campanha –“Há muito de que precisamos cuidar” – o partido ajuda seus eleitores a aliviarem a consciência, talvez incomodada pelas mortes de milhares de refugiados na travessia do Mediterrâneo.

2 comentários Adicione o seu

  1. É verdade, Mônica. Precisamos mesmo nos vigiar. Sei que algumas das minhas dificuldades para aceitar alguns aspectos da cultura dinamarquesa estão relacionados à minha própria dificuldade para aceitar o que me parece esquisito. Luto diariamente contra isso. Mas, como você diz, as políticas oficiais devem estimular a aceitação e a tolerância, e não o contrário. Um grande abraço.

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  2. Mônica Carvalho disse:

    Margareth, lutar contra a xenofobia é um exercício diário e até mesmo dentro de casa, da própria família e no trabalho. Porque a rejeição ao diferente tá entranhada em nós mesmos, se pensarmos bem. Mas quando vem de um partido ou movimento social é mais inaceitável ainda., por causa do impacto que tem e repercussões que provoca.

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