Dois príncipes dinamarqueses no Rio

O título deste texto até poderia ser o de um conto de fadas, mas meu pouco encanto pela vida de príncipes me impede de escrever algo nesse gênero. Prefiro escrever, por exemplo, sobre o quanto acho curioso o fascínio que membros da família real dinamarquesa exerce sobre brasileiros. Durante as Olimpíadas, o Rio de Janeiro recebeu a real visita de nada menos do que os dois príncipes filhos da rainha Margrethe da Dinamarca: Joachim, de 47 anos, e o herdeiro do trono dinamarquês, Frederik, de 48 anos.

O Palácio Christian VIII, parte do complexo de palácios Amalienborg, é a modesta residência do príncipe Frederik e sua família. Foto: Wikimedia.
O Palácio Christian VIII, parte do complexo de palácios Amalienborg, em Copenhague. é a modesta residência do príncipe Frederik e sua família (Foto: Wikipedia).

O príncipe Joachim, sexto na linha de sucessão, que esteve no Rio acompanhado da segunda esposa e dos quatro filhos, mereceu uma longa entrevista na revista Veja com o título: “Príncipe da Dinamarca: ‘Vou ao mercado, faço minha própria barba’. Embora o príncipe tenha revelado habilidades espetaculares para um homem saudável de 47 anos, não consegui entender a relevância da matéria. Afinal, ele é apenas o sexto na linha de sucessão de um pequeno país europeu e suas impressões sobre o Brasil e o Rio não precisariam ter recebido mais do que uma pequena nota. Mas esse é apenas mais um pequeno exemplo das incompreensíveis façanhas do jornalismo brasileiro.

Nas redes sociais, li comentários de brasileiros residentes na Dinamarca e no Brasil expressando sua admiração pela simplicidade dos membros da família real dinamarquesa que, segundo uma crença bastante propagada, vivem como “pessoas normais”. Apesar de morarem em palácios, receberem pensões vitalícias do estado sem trabalhar e não pagarem impostos, eles são gente como a gente, na opinião desses brasileiros.

O outro príncipe dinamarquês, que passou três semanas no Rio, pelo que pude apurar, não falou com a imprensa brasileira, mas soltou o verbo em críticas ao Brasil para um jornal dinamarquês. Frederik é membro do Comitê Olímpico Internacional (COI) e, como tal, em entrevista ao jornal Politiken, reclamou da organização brasileira das Olimpíadas, dizendo, entre outras pérolas, que “o Rio deveria ter se organizado melhor” para o evento (minha tradução).

Um príncipe no COI

De modo geral, teria dito o príncipe, as Olimpíadas do Rio correram bem, mas ele lamentou a falta de público em várias competições. Frederik também reclamou da ausência de decoração urbana que envolvesse mais toda a cidade na festa olímpica: “Era para ter tido muito mais faixas das Olimpíadas, fotos dos atletas, anéis olímpicos e ícones do pais sede. Havia muito disso em Londres e sentimos falta disso no Brasil” (minha tradução).

O jornal dinamarquês Information reagiu de forma irônica aos comentários do príncipe, lembrando-o que o Brasil não é a Noruega e que as Olimpíadas não são um casamento real. Nas mídias sociais, alguns leitores alertaram o príncipe que a escolha do Rio para sede dos Jogos foi uma decisão do COI e que era tarde demais para reclamar. Outros lembraram-no que roupa suja se lava em casa e que esse tipo de comentário deveria ter sido feito para os membros do COI, num processo interno de avaliação do evento, e não para a imprensa internacional.

Wedding of Victoria, Crown Princess of Sweden,...
O príncipe Frederik  (Fogo: Wikipedia).

É quase bizarro ler críticas de que o Rio deveria ter gasto mais dinheiro para enfeitar a cidade vindas de alguém tão privilegiado como o príncipe Frederik da Dinamarca. Além da modesta pensão paga pelo estado dinamarquês no valor mensal de cerca de 780 mil reais (de acordo com matéria em dinamarquês “Quanto recebem os membros da família real”), quando viaja na condição de membro do COI o príncipe tem as viagens em primeira classe, hospedagem em hotéis de luxo e diárias de mais de 1400 reais pagas pela entidade, segundo reveladora matéria do Washington Post.

Frederik é membro do COI desde 2009, onde tem a companhia do príncipe Albert II de Mônaco e do duque Henry de Luxemburgo. Seu mandato atual termina em 2017, mas ele já anunciou que tentará permanecer por mais oito anos na entidade, apesar da polêmica que sua participação na entidade causa na Dinamarca. Muitos de seus compatriotas não gostam de ver seu príncipe envolvido numa organização frequentemente associada a casos de corrupção. Além disso, a Constituição da Dinamarca determina que os nobres devem se manter neutros em relação às políticas interna e externa. Para piorar, o príncipe apoiou publicamente o COI na decisão de não banir dos jogos toda a delegação russa devido ao uso sistemático de doping. A manifestação de Frederik contrariou frontalmente a posição do governo de seu país, que defendia o banimento a delegação, e gerou duras críticas de dirigentes esportivos da Dinamarca.

A permanência do filho da rainha Margrethe para um segundo mandato no COI vai depender de um sinal verde do primeiro-ministro dinamarquês Lars Løkke Rasmussen, que o autorizou a participar da entidade sete anos atrás. Agora, depois das polêmicas criadas pelo príncipe, acredita-se que Rasmussen tente convencê-lo a desistir da ideia. Pelo que se vê, príncipes também podem se beneficiar de prestar atenção a um velho e valioso ditado dinamarquês que diz:

– A palavra é prata, o silêncio é de ouro.

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Fotos da residência do príncipe herdeiro da Dinamarca (no site do jornal dinamarquês BT)

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