
Enquanto membros do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil ocupam as manchetes dos sites de notícias e viram tema para suspeitas, fofocas e debates, me surpreendi ao pensar que, depois de quase vinte anos vivendo na Dinamarca, não sabia o nome de nem mesmo um membro da Suprema Corte do país. Para sanar minha ignorância, procurei na rede suspeitas, fofocas e debates acirrados envolvendo os juízes da mais alta corte da Dinamarca e descobri que na semana que vem, a partir de 1 de fevereiro, o órgão terá novo presidente. Mas nadica de nada de suspeitas, fofocas ou debates.
Thomas Rørdam irá substituir Poul Søgaard, que, aos 70 anos, vai se aposentar e que vinha ocupando o cargo de presidente da Suprema Corte da Dinamarca desde 2014. Thomas Rørdam se tornou um dos 19 juízes que compõem o órgão em 2002 e agora, aos 64 anos, assume o cargo mais importante do sistema judicial do país. A escolha de seu nome foi decidida pelos próprios colegas, como determina a legislação dinamarquesa.
Reforma do judiciário
A nomeação dos juízes que integram a Suprema Corte não é feita pelo chefe do governo da Dinamarca e sim pelo seu auxiliar, o ministro da Justiça, que tem de seguir recomendação do Conselho de Nomeações Judiciais. O ministro não pode nomear alguém que não tenha sido indicado pelo Conselho, mas pode recusar uma indicação e requisitar outro nome, o que ainda não aconteceu.
O Conselho, composto por representantes do judiciário, advogados e sociedade, foi criado em 1998 como parte de uma reforma judicial que tinha como objetivo garantir a diversificação do quadro de magistrados e o aumento na transparência das contratações de juízes em todas as instâncias. O Conselho é responsável por anunciar a abertura de vagas para juízes de todos os tribunais e escolher, entre os candidatos, quem deve ocupá-las. As recomendações são repassadas ao ministro da Justiça, a quem cabe nomear oficialmente os novos juízes.
Polêmica
Curiosamente, Thomas Rørdam é talvez o único membro da Suprema Corte que é amplamente conhecido pelo público. Ele se tornou famoso depois de assumir a defesa em vários casos polêmicos cuja complexidade poucos colegas tinham vontade ou capacidade para enfrentar. Um desses casos foi o da defesa da assistente de saúde acusada de assassinar 22 residentes do lar de idosos onde ela trabalhava.
Na época, Thomas Rørdam criticou duramente a polícia dinamarquesa, que estaria acusando sua cliente sem que houvesse evidências concretas de que ela realmente tivesse cometido os crimes. O advogado também não poupou a imprensa, acusando-a de agir como um tribunal popular, como conta o jornal Berlingske . O caso acabou se tornando uma grande vitória para Rørdam. A polícia encerrou o inquérito por falta de provas e três anos depois o estado foi condenado a pagar uma indenização à profissional de saúde.
Embora como advogado tenha sido figura frequente no noticiário dinamarquês, Rørdam assumiu uma postura discreta depois que assumiu o cargo na Suprema Corte. Sabe-se que ele não tem filhos, pratica esportes como ciclismo, alpinismo e vai de bicicleta para casa. É conhecido por seu bom humor, pela informalidade e por não perder uma chance para uma boa brincadeira com os colegas.
Confiança
Mas, mais do que isso não consegui descobrir sobre aquele que será em breve um dos homens mais poderosos do país. Na minha rápida pesquisa na internet, não encontrei nenhuma menção a amizades dele nem dos demais membros da Suprema Corte com o primeiro ministro dinamarquês ou outros políticos. Procurei, mas também não achei notícias sobre a participação de juízes em eventos de partidos políticos nem críticas ou elogios de magistrados à atuação de parlamentares, partidos ou governantes. Fui atrás, mas também não tive sucesso em encontrar um website criado para promover um juiz dinamarquês, como é o caso do site do ministro do STF, Gilmar Mendes.
Aparentemente, a pouca visibilidade e discrição dos juízes não preocupa os dinamarqueses. Em 2015, 965 pessoas participaram de uma pesquisa para medir a credibilidade de instituições e categorias profissionais do país. Os entrevistados deram aos juízes a nota 4,04, numa escala de 1 a 5. Logo em seguida ficaram os enfermeiros (3,96), médicos (3,86) e policiais (3,81). No final da lista, adivinhe, os políticos, que receberam apenas 1,92 e perderam para vendedores de carros (2,33) e jornalistas (2,43).